terça-feira, 11 de agosto de 2015

ARRENDAR ou COMPRAR? - Rendas caras impulsionam compra de casa

André e Leonor nunca pensaram em comprar casa mas depois de ano e meio a viverem num T2 arrendado no centro de Lisboa mudaram de opinião. "Decidimos que queremos ter uma casa nossa, que vamos comprar casa própria. Acabámos de assinar o contrato de promessa de compra e venda", afirmaram ao Dinheiro Vivo. Os rendimentos são os mesmos que tinham quando começaram a viver juntos, mas a decisão de comprar o primeiro imóvel acabou por surgir quando perceberam que "é possível pagar o mesmo ou menos ao banco do que se paga a um senhorio". Em menos de um mês escolheram o imóvel - que foram visitar "pelo menos três vezes" -, contactaram o banco onde já tinham conta e encontraram uma modalidade que torna possível o plano: em vez de pagarem 750 euros pelo T2 arrendado na Graça, vão pagar uma prestação mensal ao banco de cerca de 600 euros pelo T3 de eleição. Ainda que saibam que têm pela frente vários impostos de aquisição, taxas legais sobre o valor da propriedade, custos com registos e custas notariais, e obrigações perpétuas, como o IMI, não têm dúvidas: "Os custos iniciais são suportáveis, além de que estamos a pagar por uma coisa que um dia acabará por ser nossa. Quando pagamos uma renda não estamos a preparar o futuro", diz o casal com menos de 30 anos.

Como eles há outros portugueses a regressar ao ideal da compra de casa. Em 2014, venderam-se 230 casas de habitação por dia. E a expectativa da APEMIP (Associação Portuguesa de Empresas de Imobiliário) é que o aumento nas transações seja de 25% este ano. Mas os números "estão muito relacionados com as ações políticas e os incentivos que surjam para o mercado", nomeadamente para o do arrendamento, diz o presidente da Associação, Luís Lima.
No fundo, "ninguém sonha em ser arrendatário, ainda que acabemos todos por ser arrendatários perante os bancos", afirma o presidente da APEMIP, apontando o dedo à falta de eficácia do mercado das rendas. "Não se fez o que se devia ter feito para potenciar o arrendamento, algo a nível fiscal que incentive a colocação de casas no mercado", diz, admitindo que "o Governo tem de ser mais ousado e evitar uma dupla tributação de quem arrenda - pela posse e pelos rendimentos", ou "as rendas serão sempre superiores ao que as pessoas estão disponíveis para pagar".
Do lado dos proprietários teme-se um regresso à euforia do passado. "Comprar casa é colocar algemas de pedra", diz António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, lembrando que "é importante não repetir os erros do passado e mostrar que aprendemos alguma coisa". É também um crítico da falta de escolha e preços elevados no mercado das rendas: "os prédios estão velhos, a precisar de obras e as rendas são caras", lamenta.
A falta de escolha e os preços elevados, que no centro de Lisboa podem rondar os 600-700 euros/mês por um pequeno apartamento são os maiores impulsionadores do mercado de compra e venda. Imobiliárias, associações do setor, e especialistas não têm dúvidas de que já há uma nova movimentação nas vendas de habitação desde meados do ano passado. Uns mais optimistas do que outros, têm todos algo em comum: ninguém quer euforias.
"O crédito à habitação chegou a atingir um pico de dois mil milhões de euros por mês e agora anda na ordem dos 300 milhões de euros. O mercado imobiliário não regressou em força. Está a melhorar, mas base atual é muito baixa", afirma Gonçalo Nascimento Rodrigues, consultor imobiliário da Out of the Box. Em todo o caso, não tem dúvidas: "somos um país de compradores e as pessoas querem voltar a comprar". Há dois anos, quando Portugal estava ainda sob ajustamento financeiro, a banca preocupada com a pressão da dívida e a zona euro a tentar estabilizar o que podia ter sido uma crise sistémica, o sentimento não era muito diferente. "Fiz um périplo pelo País e percebia-se perfeitamente que havia um apelo à compra", conta.
Então porque caíram as vendas e aumentou o arrendamento? "Deixou de haver condições para comprar com recurso exclusivo ao crédito e as casas deixaram de se vender". Foi assim que o mercado do arrendamento começou a ter mais imóveis disponíveis, o que coincidiu com a nova Lei do Arrendamento e com a falta de perspetivas, desemprego a tocar os 17% e aumento das falências e destruição de emprego.
Agora, a confiança económica e as perspetivas de que o Produto Interno Bruto possa crescer já 1,6% este ano (contas do Governo), com o desemprego a cair para os 13% (11,9% no segundo trimestre) dão um novo impulso ao mercado da compra e venda e não falamos apenas de vendas efectivas, mas também de intenções de compra. A APEMIP fez as contas às pesquisas de imóveis nos primeiros três meses do ano e concluiu que 50,5% das procuras por habitação destinam-se a compra, contra apenas 47,5% para arrendamento. Ambas cresceram.
"Os sinais de dinamismo que começam a surgir no mercado da habitação refletem o sentimento de retoma económica que o país está a viver", justifica o gabinete de Jorge Moreira da Silva. A equipa responsável por reformas como o Regime Excepcional de Realibilitação Urbana, que reduz custos com reabilitação; o Novo Regime de Arrendamento Urbano; o Programa reabilitar para arrendar - poderá reabilitar até 3000 edifícios e 2000 habitações -; ou a revisão dos instrumentos de gestão territorial, que limitam construções novas, acrescenta, no entanto, que "apesar do evidente efeito que a retoma económica está a ter no setor do imobiliário e da construção em geral, não pode subsistir qualquer dúvida quanto ao facto da prioridade ter de continuar a passar pela dinamização dos mercados do arrendamento e da reabilitação urbanas beneficiando das reformas realizadas".
As imobiliárias que operam no mercado nacional são as primeiras a sentir a recuperação.Ainda assim, que não haja enganos: as maiores movimentações acontecem em Lisboa, Porto e Algarve e o investimento direto estrangeiro está a puxar por 30% do mercado, graças aos Golden Visa e também de políticas fiscais menos interessantes, que estão a trazer estrangeiros - ingleses e franceses, especialmente -, para Portugal. Ainda existem mais de 900 mil imóveis para venda.
Crédito barato ajuda
O crédito bancário é apontado pelos analistas do setor como o grande motor da mudança. Há "uma tendência natural de relativa suavização das restrições ao nível da concessão de crédito, que passa naturalmente pelo interesse da banca em reavivar o segmento de crédito hipotecário", diz João Lampreia, analista do BiG, lembrando que esta tendência "permitirá uma recuperação gradual de alguns indicadores de rendibilidade, em particular pelo expectável incremento da margem financeira" dos bancos.
O Inquérito aos Bancos sobre o mercado de Crédito confirma: "Uma avaliação mais favorável da situação e perspetivas económicas terá contribuído para uma menor restritividade dos critérios aplicados nos empréstimos aos particulares", revela.
Isto permitiu que, em 2014, o número de contratos celebrados para a compra de casa tenha subido 8% face ao ano anterior. Foram assinados 29 095 contratos, com um montante médio de 82 mil euros, mais 6,8% do que em 2013. Já nos primeiros cinco meses deste ano o Montante das Novas operações de Crédito para a habitação atingiu 1,288 mil milhões, mais 51,5% do que no mesmo período de 2014.
Na fatura que as famílias pagam contam-se dois outros fatores, todos eles em queda: a Euribor e o spread, a margem cobrada pelo banco, e que é somada ao indexante, de forma a fazer o juro aplicado. A taxa a seis meses, é a mais utilizada em Portugal nos créditos à habitação e, esta quinta-feira, fixou um novo mínimo histórico de 0,047%; a nove meses repetiu 0,098%, atual mínimo histórico, registado pela primeira vez a 28 de maio. E a três meses, está já em 0,024%, depois de estar negativa por mais de quatro meses.
Por outro lado, "A média de spreads para novos créditos habitação em Portugal situa-se atualmente entre os 2%-3%, isto quando no auge da crise pontificavam níveis de spreads entre 5%-6% respectivamente", diz João Lampreia. O Banco de Portugal confirma esta tendência para os créditos à habitação "de médio risco" e justifica a descida com uma maior concorrência entre instituições.
Resultado: as taxas de juro implícitas ao crédito à habitação já caem há onze meses. No conjunto de todos os contratos e para os celebrados nos últimos três meses, o juro situou-se em 1,282% e 2,580%, respetivamente. Para os contratos celebrados nos últimos três meses, o valor médio da prestação registado em junho foi de 319 euros.
Tudo aponta para que estes valores se mantenham. "Estamos em crer que as taxas Euribor - obviamente bastante correlacionadas com as taxas refi do BCE - deverão manter-se em níveis historicamente baixos, ainda que não deverão ser atingidos, até final do ano, novos mínimos absolutos", diz o BiG.
Mas os bancos estão menos disponíveis para financiar um crédito hipotecário a 100%, como acontecia no pré-crise. No caso de André e Leonor, terão de entrar com 25% e o banco dá outros 75%. Estabeleceram ainda um crédito conexo que lhes permite receber 50 mil euros para obras. Neste caso, estão em sentido contrário à maioria dos portugueses, que adere cada vez menos a esta segunda modalidade que permite pagar reabilitações ou obras mas, normalmente a juros superiores. Em 2014 houve já menos 18% destes créditos.
André e Leonor não esperam grandes torbulências para o futuro. "Criámos um compromisso mensal que vai durar quarenta anos. Mas daqui a dez ou quinze talvez a economia e os salários já tenham melhorado. Na pior das hipóteses vamos manter tudo como está", dizem.
 fonte: Dinheiro Vivo

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