terça-feira, 7 de abril de 2015

2,2 milhões de créditos à habitação vão beneficiar com Euribor negativas

Foram meses de dúvidas e interrogações, motivadas pela descida das taxas de juro Euribor para valores muito baixos e até negativos nos prazos mais curtos. Uma tendência que parece estar para durar, dadas as maciças injeções de liquidez do Banco Central Europeu no sistema financeiro. Mas esta semana o Banco de Portugal encerrou a discussão: os bancos vão mesmo ter de refletir os valores negativos das taxas Euribor em todos os contratos de crédito a famílias e empresas que utilizem este indexante.

Numa carta circular enviada às instituições financeiras, o supervisor recorda o quadro normativo em vigor e diz que a lei é para cumprir. Sem exceções. E a legislação é clara: quando a taxa de juro aplicada a contratos de crédito a clientes, sejam particulares ou empresas, está indexada a um índice de referência, como as taxas Euribor, essa taxa de juro resulta do cálculo da média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período da contagem de juros.

Como a lei não estabelece valores mínimos para o indexante, os bancos também não o podem fazer. Ou seja, ao contrário do que pretendiam instituições como o BCP ou o Santander Totta - que tinham inscrito nos seus preçários a regra de que quando o indexante assumisse valores negativos aplicava-se o valor zero no cálculo das prestações -, se a Euribor for negativa, aplica-se mesmo esse valor negativo, que irá descontar ao spread cobrado pelo banco ao cliente. Mais ainda, se do somatório entre o indexante e o spread resultar uma taxa de juro global negativa, ela tem de ser aplicada. Neste caso, o banco não devolve dinheiro aos clientes, mas o valor abate ao capital em dívida.

O esclarecimento do Banco de Portugal tem vencedores claros: as famílias e as empresas, cujas prestações de crédito vão diminuir com taxas Euribor negativas. Basta notar que em Portugal há 4,5 milhões de famílias com créditos de algum tipo (cada família pode ter mais do que um crédito). Mas o destaque é, naturalmente, o crédito à habitação: são 2,2 milhões de contratos ativos no país, com a grande maioria indexado às taxas Euribor. A regra no mercado português é a indexação dos juros nestes créditos às taxas Euribor a três ou a seis meses. Estas duas taxas ainda estão em terreno positivo, embora por pouco. Mas há casos onde foi utilizada a Euribor a um mês, que agora já se encontra negativa. No Banco Popular, por exemplo, chegou a ser aplicada, ainda que o último contrato fechado pelo banco com recurso a este indexante tenha já quatro anos.

Também não há dúvidas sobre quem perde com a aplicação desta regra: os bancos, que verão a sua rentabilidade - que já está em níveis muito baixos - ainda mais pressionada. Contactados pelo Expresso, os principais bancos em Portugal preferem manter o silêncio nesta altura. Afinal, as decisões do supervisor são para acatar.

Mínimos só com negociação
O Banco de Portugal também esclareceu as regras para os novos contratos de crédito. A banca pode negociar patamares mínimos para o indexante com os clientes, nomeadamente que a taxa Euribor aplicada no cálculo das prestações não pode ser negativa. Mas, também aí, os bancos têm de seguir a legislação em vigor, diz o supervisor. Isto significa que esses mínimos não podem estar inscritos nos próprios contratos de crédito e têm de ser alvo de uma negociação paralela, com deveres de informação reforçada aos clientes, sendo objeto de um contrato autónomo de derivados financeiros, sujeito a supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

A intenção do supervisor é aumentar a transparência na negociação e que fique claro para os clientes, caso aceitem a definição de mínimos para a Euribor, que estão a prescindir do direito de beneficiar de uma taxa indexante negativa.

DECO alerta para riscos
Ainda assim, a DECO, associação de defesa do consumidor, alerta para a possibilidade de os particulares não chegarem a ver refletido o impacto global das descidas das taxas Euribor nos novos contratos. É que, na carta circular enviada, o BdP lembra aos bancos que podem recorrer a outras alternativas para compensar os efeitos das taxas negativas, entre as quais, os produtos financeiros derivados, como as swaps, por exemplo.

"Esta ideia 'peregrina' do Banco de Portugal não é natural. Não compete ao BdP fazer sugestões para defender os interesses das instituições bancárias. O BdP claramente ultrapassou as competências de um regulador que deveria zelar pelo bom funcionamento do sistema", diz João Fernandes, economista da DECO/Proteste. 

"O problema é que no futuro quem vai ao banco só recebe o crédito se subscrever produtos derivados e das duas uma: ou abdica de adquirir o crédito ou aceita e assina de cruz. Se associarmos a isto o nível de literacia financeira da maioria das pessoas, percebe-se o risco que está aqui subjacente", explica o economista, lembrando a polémica ainda recente que envolveu as swaps. 

Fonte: Expresso

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